sexta-feira, 21 de março de 2008

Penitência

Então ele me olhou. Me olhou com aqueles olhos grandes e redondos, de um azul mais azul que o próprio azul. Teria ele aceitado o meu perdão? A minha penitência? Creio que não. Era pecado muito pra reza pouca.

E com aquele terrível olhar terrível, ele perguntou a pior das perguntas:

_Quando você vai brincar de lego comigo?

Quando eu vou brincar de lego com ele. Quando eu vou brincar de lego com ele. Deus, quando eu vou brincar de lego com ele? Aposto que ele já tem aquele das peças pequenas, aquele que só brincam as crianças grandes.

De repente, o terror:

_Ele já brinca com o lego das crianças grandes.

Tal constatação me anestesiou por alguns instantes. Não eram mais aqueles blocos enormes e anti-alérgicos. Eram os pequenos, os mínimos, os difíceis, os dificílimos. Será que ele já conseguia montar a pirâmide do Antigo Egito? Ou, Senhor, o castelo do Harry Potter???

E, no auge da minha insanidade, sorri. Sorri para uma criança que não me reconhecia como pai. Uma criança que sequer sabia quem eu era. Mas me pedia para brincar de lego.

Eu não tinha opção. O que levar? Um boneco? Um carrinho? Era pouco, ela tinha melhores, maiores e mais caros. Dois chicletes. Eis a solução. Dois míseros chicletes como compra do perdão.

Vinte centavos.

Quarenta, talvez.