segunda-feira, 30 de março de 2009

Carta de amor

Watson.

Me leve para tomar meu primeiro porre. Não que seja o primeiro. Mas, sabe, é que eu estou triste. E quando estamos tristes o porre que tomamos é sempre uma estréia.Talvez seja mais romântico.
Por falar em romance: esses seus olhos lânguidos carregam uma história? Tiveram o amor intenso e paciente das donzelas que esperam seus marítimos no cais? Ou o amor alvo e culto dos lordes britânicos?Quem sabe um dia eu saiba. Quem sabe você se torna mais feito de homem e menos feito de mistério. Eis a verdade dos fatos, Watson: as mulheres amam homens. Os mistérios alimentam sonhos debutantes, ilhas de ilusões e toda a sorte de coisas inacessíveis.
Talvez essa carta esteja longa demais, de modo que estou no ponto final e sequer me afastei do ponto de partida. Talvez eu escreva em círculos e não saiba, ou talvez eu nem escreva. Mas é ano novo - embora eu não saiba o número - e eu estou aqui, escrevendo e escrevendo e ainda não consegui dizer nada.Talvez você não queira ouvir, talvez eu esteja perdendo tempo. Mas tempo não me falta: tenho um ano inteirinho cheio de amores e surpresas.É, é isso aí.Tenho um ano inteirinho recheado de amores e surpresas, quer você participe dele, quer não.
Você quer saber?Eu já nem quero dizer mais nada. Eu já nem preciso mais de você.
Você quer saber de novo?Eu já estou de porre, Watson.
Tenha uma boa noite.
Ah!Feliz 2008-acabo de recordar o número.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Crime colombiano

Mão esquerda sob a saia. Mão direita sobre a faca. No quarto, dois corpos: um vivo, um vivo por enquanto. Por enquanto, porque há a faca. Mais precisamente, há a mão na faca: a degola. A degola não precisa de motivo. A mão é o motivo. A faca é o instrumento. A morte é só o resultado. A morte é isso: um resultado. E sangue. Sangue e resultado.
O corpo estirado parece um ponto de interrogação. Trágico. Cômico. Assustado. Quem, eu? Sim, você. Falta senso de humor às mulheres. E conhecimento de causa: esse sexo imprestável não sabe nem matar, nem morrer. A dignidade de um homem se mede pela sua capacidade de matar. As mulheres deviam ao menos saber morrer. Sem essa cara de espanto, de indignação: morri, e daí? A morte é só o resultado, compacto e perene como uma pedra. Morreu, sim. A faca matou. Degola.
Falta altivez à morte das mulheres. Toda aquela sensualidade calculada se desfaz com o gesto ágil de uma faca, de uma simples faca. Onde está aquele ar blasé? A morte feminina não sabe ser blasé. Morri, mas a morte é só um resultado. Não. A morte feminina é incapaz de um traço de orgulho. A morte feminina é a mulher descalça de seu salto alto.
Quanto tempo um homem pode perder com uma mulher em estado fetal? A morte faz da mulher um feto, sem salto alto. Sem traço de orgulho. Assustada e indignada como um ponto de interrogação. Não há mais o que pensar. Ela é isso: um ponto de interrogação. Ela nem existe mais, só existe a pedra, o resultado. Ela morreu, e isso é irrevogável.
O que sobra, então? Sobra a faca e a mão que leva a faca. Sobra o orgulho de ser o único a presenciar o sutil instante em que uma mulher vira um feto. Sobra simpatia suficiente para receber os cumprimentos do novo porteiro do prédio:
_Buenos días, muchacho.
_Buenos días.