sexta-feira, 16 de maio de 2008

Motim

Renego o amor plástico, com suas miudezas cirúrgicas.
Amor de espelho, de dama e cavalheiro.
Amor antiquado, sempre impermeável às irreverências
Do meu, do seu – do nosso – cotidiano.

Amor é plural e prosaico,
é o vivo , é o ato.

_Não aos cânticos de Glória, ao amor
de picos, fora do alcance das mãos,
das bocas, dos seios.

_Não aos eufemismos dos contos-de-fada,
onde os principados vivem eternas luas de mel..
‘E viveram felizes para sempre’-o príncipe, a princesa
e os jovens leitores que ainda acreditam na cegonha.

Chega de paixão cósmica, de Vênus,
De combinações astrológicas.

Leio:

“O príncipe levou-a pela mão. Sem champanhe, sem grinalda,
sem ponte levadiça. Um quarto próprio,
um sorriso encantado.

_E os pêlos do tornozelo dele grudaram na colcha de chenile...”

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Vergonha

Sou uma pessoa tolerante. Me considero calma, pacífica, até idiota. Que venham os esbarrões de Botafogo, que venham os engarrafamentos de Botafogo, que venham os pedintes de Botafogo. Sim, que venha até o cheiro de mijo de Botafogo. Mas certas exigências, mínimas, não podem deixar de ser cumpridas. Em especial aquelas que dizem respeito à comida.
Pedi um pastel. Mais especificamente, um pastel de queijo. Vamos lá, apesar de não estarmos em Sampa, todos sabemos o que um pastel de queijo deve ter. Gordura, muita gordura. E nada (eu disse nada) de queijo.
Certo, essa é a expectativa. Todo ser humano em sã consciência que pede um pastel de queijo já conhece os atributos indispensáveis de tão deliciosa iguaria. Não pode ter queijo. E ponto. Não tem essa de quebrar a tradição, de contrariar o espírito do capitalismo e colocar queijo no pastel de queijo. Não há lugar no mundo para essas excentricidades.
O velho chinês que me serviu desconhecia essa lei. E pra minha infelicidade, tive de comer toda aquela infâmia em forma de pastel. Aquele desrespeito aos antepassados dos antepassados dos pasteleiros.
Enquanto engolia, vergonhosamente, aquele insulto, lembrei que demoraria duas horas para chegar em casa. Sorri. Na minha terra, tão afastada daquela, ainda não há queijo no pastel de queijo.