sábado, 7 de janeiro de 2012

Glória à cerveja de garrafa

Os homens podem ser divididos em dois tipos: os que preferem chope e os que apreciam uma boa cerveja de garrafa. Um autor mais criterioso poderia incluir uma terceira categoria, ainda mais perversa que a primeira, a dos defensores do chopp, assim mesmo, com estrangeirismos alcoólicos. Diria que o indivíduo que vai tomar um chope tem ao menos a dignidade do samba, do futebol e da mulata a seu favor. O bebedor do chopp, nem isso. Não há São Sebastião ou outros deuses tupiniquins ao seu lado.

Mas como o autor que escreve é este, e não outro, fiquemos com as duas distinções primárias elucidadas acima. A partir delas, podemos traçar todas as características psicológicas dos dois tipos de homem. Talvez possamos até fazer prognósticos do futuro de cada um. Quem sabe se não somos capazes de adivinhar o amanhã, leitor, a partir da borra de cerveja que fica no copinho melado do boteco?

Bem, isso se é que você bebe mesmo cerveja de garrafa, porque este texto é aberto, sem censuras, e está disponível até para a espécie rival. Você deve conhecer, são aqueles frequentadores de bares extremamente asseados, segurando suas tulipas compridas e sustentando seus olhares esquivos, aqueles que enchem a boca para dizer: “Eu não entro em pé sujo”.

Pois bem. Quão diferente é o pé sujo! O tilintar dos copinhos baratos produz notas muito distintas daquelas emitidas pelas tulipas. Poderíamos dizer que a sinfonia resultante dos brindes é muito mais popular. Mais calorosa. Mais humana. Há comunhão na cerveja, como uma espécie de hóstia não sacramentada. Na mesma corrente brindam os pedreiros, os padres e os profetas, todos unidos por uma reza de cevada. Brindam às glórias e às desgraças de uma semana suada, carregada no ombro como um fardo ou no colo como um filho. Todos dão duro no batente: o do pedreiro é a obra, o do padre é a missa, o do profeta é a rua, mas todos têm o seu.

Ao contrário, há no chope um quê individualista. Cada qual com a sua tulipa. Cada um com os seus sofrimentos, as suas angústias, as suas imundícies. Não há partilha no chope, nem pode haver. Não é possível ver os copinhos se misturando na superfície da mesa de plástico, gerando dúvidas sobre os legítimos donos de cada um, e fazendo com que o mesmo copo tenha o prazer de beijar a boca de vários dos presentes, entre uma e outra beliscada na batata frita.

No átrio do boteco reúnem-se fiéis de todas as estirpes e classes sociais. A fé é unívoca entre todos os presentes: entre um e outro gole na gelada, a esperança de que o amanhã será melhor.

Achou este texto pretensioso? Herege, talvez?

Deixa estar, leitor. Você provavelmente bebe chope.