quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O racismo existe?


Antigamente, eu achava que não. Tinha lido em algum lugar que o problema do Brasil era social, não racial. Se eu não via muitos médicos, engenheiros ou advogados negros, era porque a maioria era pobre e não conseguia estudar.

Algum tempo depois eu li uma pesquisa indicando que um percentual mínimo dos cargos de chefia (gerências, diretorias) era ocupado por afrodescendentes. Mais um fato para corroborar a tese da exclusão social. Se não há negros qualificados, como esperar que uma percentagem grande deles ocupe altos cargos? Foi aí que começou a confusão.

O que a pesquisa apontava era que a quantidade de negros em funções de chefia era muito menor em proporção aos negros formados naquela profissão. Seria mais ou menos assim: se 10% dos engenheiros que se formam são afrodescendentes,  apenas 1% dos gerentes de engenharia o são. Os números não são esses, não guardei a pesquisa, mas talvez haja várias parecidas por aí.

Caramba, então quer dizer que um negro, qualificado, com sei-lá-o-quê em Harvard poderia perder o cargo para um branco nas mesmas condições, simplesmente por ser negro? Poderia. Pelo menos, em um critério de desempate.

Na minha escola havia poucos negros, justamente por ser um colégio particular e meio caro. Mas os que estudavam lá eram queridos e pareciam não ter problemas de relacionamento, inclusive afetivo, inclusive com brancos.

Mas aí vem aquela história de que no Rio de Janeiro somos todos miscigenados e a tolerância é maior. Mas será que seria assim no interior de São Paulo? E no interior de Minas Gerais?

Não sei.

Partindo da tese de que o racismo existe, independentemente da classe social e aceitando como pressuposto que há um filtro racial que diz aonde você pode chegar, surge outra pergunta.

O que eu tenho a ver com isso?

Sou branca. Ao menos no Brasil. Provavelmente na Europa eu serei considerada tão caucasiana quanto um zulu. Mas aqui em terra brasilis, sou branca.

Minha família é formada por um punhado de italianos pobres do sul que veio pra cá plantar café. O lado miscigenado ficou por conta do meu avô paterno, que veio da Bahia e tem um nariz pontudo que deixa ele com cara de árabe. O café rendeu, o povo estudou e viemos todos parar nesse limbo reclamão chamado classe média.

Quando eu tinha 17 anos, estava indo para a faculdade de ônibus. Janeiro, aquele sol que transforma qualquer um em um peru de Natal. Estava sentada do lado de um homem e coloquei minha mochila entre mim e ele para me proteger um pouco da insolação e não chegar assada na sala.

O problema começou quando o cara começou a me olhar feio. Muito feio. E eu, distraída como sou, demorei um bom tempo para entender o porquê. Ele era negro e a maneira como eu estava colocando a mochila entre nós dois dava a impressão de que eu queria distância. Acho que aquele homem achou que eu tinha problemas com a cor dele.

Alguns vão levantar a hipótese do racismo às avessas. “Só por que eu sou branquinha?”. Você é negro, eu sou branca. Não tenho culpa. Você que não tem autoestima e fica aí torcendo o nariz pra mim.

Não pensei assim. Morri de vergonha. Não sou racista, estava morgada, estava com sono, a aula na faculdade ia ser uma bosta e não reparei se ele era negro ou não. Não me ocorreu que um gesto tão simples pudesse deixar alguém tão puto.

Mas isso não tira minha responsabilidade. Não é desculpa para magoar alguém. A falta de atenção não pode se transformar em anestesia, insensibilidade. Só porque você não é racista, não quer dizer que o racismo não exista.

E o que os brancos poderiam fazer para ajudar? Não tenho a menor ideia.

De minha parte resolvi não aderir a nenhum discurso de racismo às avessas, porque apesar de todas as dificuldades econômicas que minha família possa ter passado, ela foi trazida para embranquecer o Brasil. Porque alguém achou que ser branco é legal e que a gente servia melhor pra tocar uma roça de café. Como agora eu vou dizer que estou sendo discriminada? Não consigo.

A segunda coisa que talvez ajude seja acreditar quando um negro diz que o racismo existe. Quem sou eu pra dizer que não? Deve ser horrível você passar por situações constrangedoras por causa da sua cor, tentar desabafar com alguém e a pessoa dizer que é tudo coisa da sua cabeça. Tipo “O Sexto Sentido”: os mortos não existem.

Bom, eu acho certos os fantasmas ainda fazem ronda por aí.

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